06 setembro 2010

"Este Lado Para Cima" Brava Companhia no Bloco do Beco






A Brava trouxe o Saxofone...

  • Descobri Brecht lá pelos oitenta numa montagem de Luz nas Trevas, no Madame Satã. Quem era paulicéia nos oitenta sabe.  Nudez, anticlericalismo, ironia, acidez... Gente do céu, tudo aquilo me incomodou tanto, recatado ado papa hóstia que era.
  • Brecht e eu travamos então uma longa relação de amor e ódio: O Teatro de Arena, Fernando Peixoto, as montagens de Celso Frateschi e Márcio Aurélio. O ranço daquilo tudo era tão europeu, intelectual demais. Teatro alemão, para empregar o rótulo mais exato. Para o fogo aquilo tudo. Caca Rosset talvez tivesse podido ir além, se não fosse o culto excessivo à caixa registradora
  • Lá em Cuba, piorou a relação, indo Brecht de vez pra gaveta, junto com todos meus sonhos de comunismo oficial. As peças didáticas eram insuportáveis em sua inocência abusiva, a peças herméticas sem sal ou vontade – o sistema delimitando tudo, como se Brecht fosse religião.  
  • O enterro definitivo do tal alemão, fiz vendo algumas daquelas peças chatas do teatro do subúrbio parisiense:  cabeça em excesso e incapaz de olhar as coisas com os olhos fechados, coisa que aliás acontece poucas vezes no teatro daquela terra.  
  •  Nem os filmes de René Allio que traduziu com brilho e pujança a Velha Dama Indigna, nem as aulas de Jean Jordeuill , que trabalhou com tantos filhos de Brecht na França e na Alemanha impediram o féretro.
  • Só o Mouchkine pode reacender o prazer e o interesse por peças que não quisessem me ninar, explicar  ou me hipnotizar. Como Brecht, soube tantas vezes elaborar pensamentos.   Suas  criações são um grande bate papo sobre o mundo moderno, com seus estrangeiros clandestinos, suas misérias, seu Hamlet feminino (Juliana Carneiro), um diálogo incessante com o público, em espetáculos onde o tempo e espaço são transgredidos e cada criação remete à seguinte. 
  • Souberam dissolver Brecht e criar uma  a arte que dialoga efetivamente com seu tempo, um teatroque esteja  de olhos abertos para o mundo.  Que limpe banheiro e saiba passar o rodo. Tudo isso sem deixar de ser teatral, sem deixar que o épico cubra o estético, que a reflexão mate a sensação.
  • A Brava consegue efetivar isto e seus espetáculos recentes: O Errante e, principalmente,  em Este lado pra cima que tive a sorte de ver, há dois domingos, no campo da Erundima.  Quem já rodou por aquelas quebradas sabe bem que barulho/poluição ali é  de matar . Forro daqui, sertaneja ou funk dalí, carro aberto nas portas dos bares, sem esquecer o Corinthians x Palmeiras pela taça Brasil.  Haja tímpano!
  • Mas o areão enegrecido pelos restos de fogueiras e colorido pelos tapetes do Bloco lotou. Na arena redonda delimitada por acessórios e instrumentos, sem escrúpulos ou viadismos, os bravos literalmente deitaram e rolaram, nos falando da grande fabulação que é o sistema ultra-liberal em que vivemos. Uma nova versão do espetáculo, que mergulha ainda mais naquilo que a Brava faz de melhor: ocupar a cena e botar a boca no trombone (saxofone). Chega de paciência! Pra quando a panciência?
  • O tal teor germânico dos anos oitenta infelizmente aparece aqui e ali, e  o didatismo do jovem Brecht também. Mas é explosivo e irresponsável, pequeno burguês certamente, mas poético e irreverente, ao ponto de matar o barulho e cativar o povão do Jardim Ibirapuera.
  • Só lamento o tal do anticlericalismo, às vezes forçado. A perifa é mística e pentecostal, sempre em transe. É preciso considerá-lo, evitar o risco de cair no materialismo pagão do teatro esquerdão 60/70, que nos deu O Pagador sem promessas e  A Gota d´Água sem Iansã...  
  • Mas aquela percussão metálico-africana, marcando a cena da produção acelerada, é prova de que a macumba ronda e que uma hora dessas ela entrará de vez. Tempo ao tempo, os bravos estão apenas começando. Bravo!

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